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Clorindo
Testa
Uma conversa
sobre arquitetura |
Em
julho de 2002, o arquiteto argentino radicado no Brasil Jorge
Mário Jáuregui integrou um grupo de profissionais
que manteve, no escritório de Javier Fernandez Castro, longo
diálogo com Clorindo Testa, um dos mais importantes arquitetos
e artistas plásticos latino-americanos da atualidade. No encontro
de Buenos Aires, Jáuregui e Testa concluíram conversa
iniciada meses antes em Santo Domingo, onde estiveram, a convite da prefeitura
local, para, junto com outros profissionais latino-americanos, elaborar
estudos sobre possíveis intervenções urbanísticas
na capital da República Dominicana. Esse
longo diálogo deu origem à entrevista publicada a
seguir. Os croquis que a ilustram foram executados por Testa durante a conversa,
a título de explicação dos projetos citados.
De que
maneira o senhor soluciona a questão da ordem na composição
de sua arquitetura, que se caracteriza por um traço vigoroso, muito
jovem, quase casuístico, como se resultasse de um impulso?
Vou
organizando as coisas em função do que me foi solicitado,
sempre confrontando meu traçado com o que o lugar me permite
e me condiciona - preexistências naturais ou construídas,
por exemplo -, numa tensão entre o que desejo e o que existe.
Crio, assim, uma espécie de problema produtivo, no qual intenção
e preexistências vão estabelecendo um contraponto. A
proposta vai se encaixando no que existe e passa a fazer parte da
realidade, mas tudo sempre muito ordenado.
No caso do Banco
de Londres, por exemplo, uma das exigências era que
a distância percorrida pelos funcionários entre as circulações
fosse a menor possível. No projeto elaborado, havia uma ordem
bem clara e forte nesse sentido, e esse foi um dos fatores determinantes
para que ganhássemos o concurso. O traçado regulador
das fachadas também corresponde a uma modulação
precisa dos apoios, que constituem os grandes pórticos nascidos
da estrutura do teto. A forma das colunas e o diafragma das fachadas
se imbricam, constituindo uma só coisa, o que reforça
a ordem e a unidade do conjunto.
Já no caso da Biblioteca
Nacional, os quatro grandes pilares em forma de tubos que
suportam o corpo do edifício alojam as escadas e elevadores,
permitindo configurar um grande espaço coberto e aberto como
uma espécie de praça pública, que constitui o
acesso à biblioteca. No volume superior estão os setores
administrativos, as áreas de exposições, o foyer
do auditório, o café e as salas de leitura com vistas
para a paisagem. Os livros, que são a parte pesada do programa,
estão no subsolo. Dessa forma, a ordem funcional se manifesta
na composição do edifício.
A cor
tem presença muito forte em seu trabalho. De que maneira ela
se relaciona com sua busca plástica?
Desde
o início, já sabemos como tudo vai ficar. A questão
da cor faz parte de nosso processo de projeto. Acho que, de alguma
maneira, tem a ver com a genética, com a pessoa. E a arquitetura
é um instinto. As crianças desenham suas casas todas
iguais; os homens das cavernas também desenhavam de maneira
semelhante. As crianças deixam de desenhar depois que crescem,
mas algumas continuam porque têm certa tendência que as
outras não têm. Acredito que a habilidade com a cor é
genética, mas seu uso vai mudando dentro de determinada cultura,
até que chega o momento em que algumas questões não
interessam mais. Na Argentina, a arquitetura moderna não estava
interessada na cor, só agora passou a se interessar.
De que
maneira o senhor analisa a evolução da tecnologia da construção
e seu efeito na arquitetura?
Na
medida em que mudem os materiais com os quais se pode construir, a
arquitetura poderá ser mais sensível e maleável.
Hoje, continuamos construindo como há mil anos - com pedra,
tijolo etc. -, mas em outras áreas as coisas mudaram muito.
Uma residência atual não se diferencia muito, construtivamente,
de uma casa romana. A indústria da construção
ainda não está acompanhando outros setores, bem mais
dinâmicos. A maneira de fazer as coisas em nossa área
de atuação tem evoluído pouco. Um edifício
continua durando setenta, oitenta, cem anos, enquanto um carro ou
um avião duram de cinco a dez anos.
Qual
a visão que o senhor tem da cidade atual, tomando como exemplo
Buenos Aires?
Acho
que as cidades são como as pessoas, vão crescendo. O
que se pode fazer é arrumá-las um pouco, ordenar seus
acessos, suas áreas residenciais e as que não são
residências, como o comércio, serviços etc. Porque
essas são atividades naturais, os negócios se juntam
e se distribuem por vários setores da cidade, embora hoje,
pela grande dimensão alcançada, trate-se de problema
bem mais complicado, mais complexo. Mas as pessoas continuam preferindo
estar umas ao lado das outras, com a possibilidade de se encontrarem
em espaços agradáveis e de qualidade. É nisso
que nós, arquitetos, devemos pensar e o que devemos favorecer
com nossas intervenções.
Como
o senhor vê a tendência de construir grandes conjuntos de
edifícios de escritórios em novas áreas, afastadas
dos centros das cidades?
Acho
que todos os que trabalham preferem, de maneira geral, estar em contato
uns com os outros. Os empregados das lojas são amigos das pessoas
que compram ali e vivem na mesma área. Gostam de sair à
rua e se encontrar com as pessoas. E geralmente os pintores são
amigos dos pintores, os arquitetos dos arquitetos, e freqüentam
os mesmos lugares da cidade. Dessa forma, acredito que devemos evitar
o isolamento, a formação de guetos.
No livro
Clorindo Testa Architects, de Manuel Cuadra, publicado pela NAi Publishers
em 2000, e no texto “Clorindo Testa”, publicado pela revista
Summa+Libros, em 1999, são comentadas as relações
entre vida pública, tecido urbano e arquitetura. De que forma
a arquitetura pode contribuir para facilitar as relações
sociais e torná-las mais amistosas?
É
claro que a arquitetura condiciona e favorece esse tipo de relação
na medida em que os projetos são bons. Uma casa pode ser melhor
que a outra, oferecer mais opções e permitir viver melhor;
o mesmo pode ocorrer com os edifícios de escritórios.
A arquitetura, em sua configuração urbana, deve contribuir
para favorecer as relações sociais, a conexão
do diverso; permitir que os diferentes usos mantenham continuidade
e possibilitem ter a sensação de fazer parte de algo
maior.
Os argentinos
sempre deram grande valor à instância pública, à
transparência entre o espaço público e o privado.
O que devemos fazer para que as cidades não percam sua “caminhabilidade”,
a condição de espaço público integrador
na escala do pedestre? Em seu novo projeto para a universidade de San
Luis, o senhor busca a conexão entre as partes, possibilitando
o caminhar e o encontro no campus.
Estão
fazendo agora uma parte da urbanização do campus; são
cinco edifícios com ateliê, depois tem um centro de estudantes
com bares, o centro de artes, as residências, os equipamentos
desportivos, e também a praça e a galeria, que são
como uma cruz onde se localizam a reitoria, a biblioteca e o auditório.
Então, o campus foi todo idealizado como uma espécie
de célula urbana em que as diversas partes configuram diferentes
opções de atividades e de percursos, com seus também
distintos pontos de atração e convivência. É
um projeto que busca contribuir para fazer cidade.
A rampa
continua sendo elemento importante de suas composições,
tanto no que diz respeito ao objeto arquitetônico quanto ao espaço
urbano?
É,
as rampas deixam tudo mais lindo. Agora mesmo estamos projetando uma
casa fora da cidade, com os quartos embaixo e a sala de estar em cima,
para aproveitar a vista da paisagem.
E mais acima fica um terraço, que permite estender ainda mais
a visão dessa paisagem.
A casa tem rampas porque é para um deficiente físico
e, neste caso, ela se expressa no objeto, é uma parte muito
importante dele.
O senhor
sempre diz que as viagens e os desenhos de viagem cumpriram um papel
muito importante em sua vida de pintor e arquiteto. Como foi isso?
Comecei
desenhando paisagens apenas pelo prazer de fazê-lo, e em 1949,
quando estava na Itália - recebi uma bolsa de estudos de três
meses, mas acabei ficando por dois anos, e pude até visitar
outros países -, tive oportunidade de desenhar muito. Um dia,
em Roma, conheci Frans van Riel, que se entusiasmou com meus desenhos
e me convidou para expô-los em uma galeria que ele tinha em
Buenos Aires. A exposição foi em 1952, alguns meses
depois de meu regresso, e apresentava paisagens com pontes, máquinas
e estações ferroviárias. No ano seguinte, fui
convidado a expor novamente, e assim iniciei o trabalho que até
hoje realizo, ao lado da arquitetura. Desde aquele época, pintura
e arquitetura estão sempre juntas. Quando criança, gostava
de desenhar, e fiz muitos modelos de barcos e aviões. Mas os
dois anos que passei na Itália, viajando e desenhando, absorvendo
tudo o que via, foram fundamentais para minha formação.
Gosto de desenhar, é algo que me diverte; transmito minhas
idéias por meio dos croquis.
Qual,
entre suas obras, o senhor elegeria como a preferida?
Todas
me interessam sempre, mas o Banco de Londres, a Biblioteca Nacional
e o Centro
Cívico de La Pampa são obras importantes.
No ano
passado, no concurso de Córdoba, a solução apresentada
pelo senhor me pareceu brilhante. Foi um dos poucos projetos que tinha
uma proposta que levava em conta o entorno.
Tratava-se
de um edifício-fita, com os núcleos de circulação
de escadas e elevadores bastante próximos uns dos outros. No
programa, pedia-se que fossem espaços fáceis de serem
transformados, pois não se conheciam as necessidades futuras
de aumento ou redução de usuários. Depois, havia
uma rampa para o público, com a planta baixa livre, e os acessos
às circulações verticais. Podia-se subir e ver
a paisagem. O edifício era, para a população
do entorno, local de passeio no fim de semana; rampa para o público
e planta baixa livre para circulação dos visitantes,
constituindo um passeio público.
Como
o senhor avalia sua experiência de docente?
A
docência me divertia quando o aluno era bom; quando não,
era muito chato. Com o aluno bom você se diverte confabulando,
pondo a imaginação para trabalhar intensamente. A relação
com um bom aluno é um estímulo à criatividade.
Por
Jorge Mário Jáuregui
Publicado originalmente en el site ARCOweb (www.arcoweb.com.br)
de la revista
PROJETODESIGN, Brasil.
Edição 273 Novembro 2002
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Clorindo
Testa é
italiano de nascimento, mas estabelecido na Argentina, e diplomou-se arquiteto
em 1947, pela Universidade de Buenos Aires. Desde jovem atuou, simultaneamente,
como arquiteto e pintor.
Suas concepções arquiteturais, originalmente próximas
às de Le Corbusier, evoluíram para um estilo mais livre que
o levou às fronteiras
da escultura e do kitsch.
Entre as obras de sua primeira fase (1950/70), destacam-se o centro cívico
de Santa Rosa de La Pampa, a sede do Banco de Londres e a Biblioteca Nacional
(estes dois últimos em Buenos Aires), considerados marcos da arquitetura
argentina e que mostram a habilidade do arquiteto no uso plástico
e técnico do concreto aparente. Entre seus projetos mais recentes,
destacam-se o Hospital Naval e o Design Center Recoleta,
em Buenos Aires, e as instalações da estação
balneária La Perla, em Mar del Plata
"Acho
que as cidades são como as pessoas, vão crescendo. O que se
pode fazer é arrumá-las, ordenar seus acessos, as áreas
residenciais"






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